“Ajuda na minha incredulidade!”

“Quando o tem, você tem tudo, mas também perde tudo quando o perde. Fique com Cristo, embora seus olhos não o vejam e a razão não o alcance.” (Martinho Lutero)

Nos últimos tempos, não foram poucas as “noites escuras da alma” pelas quais passei. João da Cruz, místico do século XVI dá esse nome para aqueles períodos onde Deus deixa algumas pessoas “numa escuridão tão grande que eles, com suas imaginações e reflexos dos sentidos, não sabem para onde ir. Não conseguem avançar um único passo na meditação, como antes faziam, pois o sentimento interno agora está esmagado nessa noite e abandonado a uma aridez tão grande que já não têm nenhuma alegria ou doçura nos exercícios espirituais, como tinham antes, e no lugar delas só encontram insipidez e amargura.” (João da Cruz, em: A noite escura da alma).

Outro dia, em um bate-papo informal, questionava-se o que era fé. Várias passagens bíblicas foram declamadas, até que fui questionado. Pensei um pouco e respondi: “Fé, para mim, é crer naquilo em que não acredito”. Um silêncio se fez, acho que não fui bem compreendido.

Perdoe-me. Sou orgulhoso, arrogante, egoísta, impulsivo e desesperado. E, muitas vezes, descrente. Por isso, clamo, como o pai desesperado da passagem do Evangelho segundo S. Marcos: “E Jesus disse-lhe: ‘Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê’. E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: ‘Eu creio, Senhor! Ajuda (n)a minha incredulidade’.” (Marcos 9.23-24).
É difícil escrever sobre isso. Primeiro, porque acredito que fé é um conceito, uma vivência pessoal e intransferível. As experiências que vivi fazem parte do que eu sou e, na minha opinião, são adequadas a mim. Não posso querer que outra pessoa viva a mesma coisa ou aceite que esta seja a coisa certa. A mística e a espiritualidade não têm um manual de operações, nem são uma receita de bolo, onde se adicionam ingredientes e se obtém o resultado previsto. O que funciona para mim, talvez não funcione para você. Por que escrever, então? Acredito que, ao compartilhar minhas experiências pelo caminho da incredulidade, possa estimular outros a percorrerem seus próprios caminhos e encontrarem a claridade após passarem pelas suas noites escuras da alma.

Orgulho

“O medo não é um ponto ruim para começar uma jornada espiritual (…). A conversão significa começar com quem somos, não quem gostaríamos de ser.” (Kathleen Norris)

O medo é uma característica associada à covardia, atualmente. Somos criados e chamados a ser destemidos, ousados. E isto me torna orgulhoso e dono de mim mesmo. Sou senhor do meu destino e nada poderá me abalar. Traço planos, tomo decisões. Muitas vezes, sou bem sucedido, o que me dá a falsa sensação de estar no caminho certo.
Mas, é inevitável sentir medo em algum ponto da jornada. Principalmente quando as coisas não caminham como previ. Só ao admitir que sinto medo, que tomo consciência de quem realmente sou: nada; pó. Incapaz de aumentar minha estatura (às vezes, até de diminuir meu peso…) ou acrescentar um segundo à minha vida. Nesse ponto, posso esvair à depressão, à insegurança ou perceber, mais uma vez, que sou objeto da Graça e do Perdão. Porém, para ser agraciado e perdoado, preciso deixar o orgulho de lado. E a arrogância.

Arrogância

“Viver em paz com o mistério é um elemento chave na manutenção da fé.” (Ruth Tucker)

Na era das informações, sabemos tudo sobre nada e nada sobre tudo. Os meios virtuais nos possibilitam saber o que se passa no nosso bairro, na nossa cidade, no nosso país, no mundo e até no Universo. Imagens e notícias em tempo real nos cercam. Dominamos assuntos que gostamos – às vezes, até alguns que não curtimos – só pelo prazer de saber mais do que outras pessoas. Queremos saber tudo, ler sobre tudo e, pior, mostrar que sabemos tudo.
Mas, quando sou colocado frente a frente com o mistério, quando as luzes se apagam e o medo invade a minha alma em meio à escuridão, minha arrogância muitas vezes me leva a não admitir minha incapacidade de reagir. Rebelo-me tal como uma criança mimada, tentando mudar a opinião dos pais sobre uma negativa ou uma repreensão.
Preciso ser confrontado, constantemente, com minha ignorância. Ao admitir que, na verdade, diante da complexidade do universo, nada sei, vejo então que minha arrogância é totalmente inadmissível. E isso me mostra que não sou mais especial do que ninguém. O que não dá razão nenhuma para ser egoísta.

Egoísmo

“As pessoas têm medo: medo dos sentimentos íntimos, medo das outras pessoas e também medo do futuro”. (Henri Nouwen)

Não quero justificar nada, apenas tentar explicar. Minha história de vida é uma história de abandonos e rejeições. Resumidamente, rejeitado ao nascer, não totalmente querido pela família adotiva, abandonado de forma trágica pela mãe adotiva aos dez anos, quando esta se suicidou. Cresci formando uma parede de proteção à minha volta, evitando relacionamentos profundos e sempre desconfiado da real intenção das pessoas.
Quando você cresce dessa forma, é quase inevitável que se torne uma pessoa egoísta, que só pensa em si mesmo. Muitos me consideram, até, insensível. Talvez os mesmos que não saibam o tamanho da dor de ser assim. Pensar sempre que está sendo usado ou usando as pessoas, não desfrutar a liberdade e a totalidade dos relacionamentos, viver sempre em cima do muro, muitas vezes fazer coisas contra a vontade para se sentir incluído em um meio.
O egoísmo me distancia das pessoas, mesmo daquelas que estão perto; impede que eu admita meus medos; dificulta que eu procure e encontre o EU que está dentro de mim. Ou seja, o egoísmo me torna um sobrevivente e não um ser vivente. E, ao pensar só em mim, na minha felicidade, em levar vantagem, acabo muitas vezes agindo impulsivamente.

Impulsividade

“As pessoas impacientes estão sempre esperando que a realidade aconteça num outro lugar e, por isso, estão inquietas para ir a outro lugar.” (Henri Nouwen)

Quando penso em fé e em tempo, minha cabeça dá um nó. Parece que fui criado de forma que toda ação merece uma reação. Toda frase dita precisa de uma análise minha. Tenho dificuldade em me calar e, às vezes, pago um alto preço por isso.
Talvez por isso mesmo o medo tome conta de mim quando fico sem reação. E um dos momentos que mais tiram a minha capacidade de reagir é quando a fé se esvai. William Shannon descreve de forma muito clara esse sentimento: “O Deus que nós pensávamos ter conhecido nos é tirado e a mente não consegue pensar nEle. A alegria de sua presença desapareceu porque já não conhecemos Aquele que está presente. Nem mesmo temos certeza de que Alguém sequer esteja presente. A vontade que outrora amava a Deus com tanto ardor parece incapaz de amar, porque o objeto amado parece ter desaparecido numa escuridão impenetrável. Já não temos Ninguém a quem sequer orar; por isso perdida está a doçura da oração. A meditação torna-se impossível, até mesmo detestável”.
Quando a noite escurece a alma é como quando andamos em uma estrada sem iluminação à noite e a tendência é que fiquemos parados. Só que a impulsividade me leva a tentar tatear o caminho, sair dali o mais rápido possível. Mesmo que corra o risco de cair em buracos, sair do caminho, despencar por despenhadeiros. Quando isso acontece, a noite continua escura, mas agora além do medo, a dor também vai me acompanhar dali pra frente.
Quando sou colocado diante de uma situação onde não tenho para onde ir, que minha impulsividade é travada, todas as coisas que descrevi vêm à tona: orgulho, arrogância, egoísmo e impulsividade. É nesse momento que me desespero.

Desespero

“Esperar não é uma atitude muito popular. Esperar não é algo pelo qual as pessoas têm muita simpatia. Na verdade, a maioria das pessoas acha que esperar é uma perda de tempo. Talvez isso se deva ao fato de, basicamente, a nossa cultura resumir-se a: ‘Ande! Faça alguma coisa! Mostre que é capaz de se distinguir dos outros! Não se limite a ficar aí, de braços cruzados, esperando!’. Para muitas pessoas, esperar é um deserto árido entre o lugar em que se encontram e o lugar para onde querem ir. E as pessoas não gostam de um lugar assim. Querem sair dele fazendo alguma coisa.” (Henri Nouwen)

Tá aí um capítulo que admito que não tenho capacidade de escrever muito. Sou pego, muitas vezes, em desespero. Uma frase, um fato, um olhar e em um segundo vou do céu ao inferno, me descontrolo, me desespero. Nouwen tem sido meu companheiro nessa jornada em busca da esperança. Ele admite: “A espera incerta é difícil, por termos a tendência de esperar por algo muito concreto, por algo que queremos possuir.” Ou seja, para alguém arrogante, orgulhoso e egoísta, a espera por algo incerto é inadmissível, muito mais a espera por algo que não seja de acordo com o que eu quero, aquilo que eu acho que é o certo. Nouwen considera que a verdadeira espera é ampla: “Esperar estando aberto a todas as possibilidades é uma atitude extremamente radical perante a vida.
Detesto esperar, admito. Assim como detesto admitir minha ignorância, minha impulsividade, meu egoísmo. Mas, durante minhas últimas noites escuras da alma, tenho aprendido que um dos mecanismos para reverter essa situação é a confissão. Confessar minha incredulidade e meus defeitos me expõe, mas me coloca no caminho da busca da volta à espiritualidade sadia, da cura da minha incredulidade. Aprendi que é impossível sair dessa escuridão sozinho. Por isso, precisamos de amigos nessa jornada. Por isso, Nouwen diz que esperar é “acima de tudo, esperar juntos.”.

E agora?

“Felizmente, crer, assim como escrever, é mais um processo do que um produto e não é, rigorosamente falando, uma atividade voltada para um objetivo. Não há um limite de tempo.” (Frederick Buechner)

Ruth Tucker, no livro Fé e Descrença, revela: “Em minha própria peregrinação espiritual, que começou na infância, a dúvida e a fé tem coexistido. Não é uma condição que escolhi para mim e não é algo que eu possa eliminar – nem necessariamente o desejaria. A dúvida traz tensão e vitalidade à minha fé; está sempre me desafiando a ir mais fundo (…)”.

Espero que você não esteja enfrentando uma noite escura em sua alma nesse momento. Eu estou caminhando em busca da saída destas trevas dolorosas e sou grato pelos (poucos) amigos que têm me acompanhado pessoalmente e pelos (muitos) amigos que ajudam através das suas experiências registradas em livros, blogs, etc. Mas, também desejo que esse texto o auxilie quando este momento chegar ou a você ajudar alguém nesta situação. Uma coisa importante é saber que esse momento que parece eterno e nunca vai acabar é uma fase e que é possível sair dela.

“Não peço sonhos ou êxtases proféticos
nem o rasgar repentino do véu de argila
não quero a vista de anjos, nem os céus abertos
mas, tira a treva da minha alma.”
(Tradução livre da segunda estrofe do hino Spirit of God, Who dwells wif heart, de George Croly – íntegra abaixo)

“Spirit of God, who dwells within my heart,
wean it from sin, through all its pulses move.
Stoop to my weakness, mighty as you are,
and make me love you as I ought to love.

I ask no dream, no prophet ecstasies,
no sudden rending of the veil of clay,
no angel visitant, no opening skies;
but take the dimness of my soul away.

Did you not bid us love you, God and King,
love you with all our heart and strength and mind?
I see the cross there teach my heart to cling.
O let me seek you and O let me find!

Teach me to feel that you are always nigh;
teach me the struggles of the soul to bear,
to check the rising doubt, the rebel sigh;
teach me the patience of unceasing prayer.

Teach me to love you as your angels love,
one holy passion filling all my frame:
the fullness of the heaven-descended Dove;
my heart an altar, and your love the flame.”

Sobre Fábio

Indefinido. Abstrato. Prolixo. Jornalista. Músico. Ciclista.
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